segunda-feira, 31 de março de 2014

A prescrição previdenciária na revisão de benefícios

por Sérgio Henrique Salvador(foto)  e Theodoro Vicente Agostinho 
 
Questão altamente intrincada e que há muito ecoa na sociedade jurídica previdenciária, a temática envolvendo a prescrição revisional dos benefícios do complexo Regime Geral de Previdência, atualmente gerido pelo INSS, a sua autarquia gestora.
 
         
Pois bem, tal fato, possui diversas razões de ser, que poderiam aqui, nesse brevíssimo apontamento, ser robustamente exaurido.
        
 
Porém, longe de nós, tentarmos solver essa problemática discussão em todos os seus meandros, mas sim, de outro vértice, ousamos registrar algumas reflexões a respeito.
 
 
De início, cabe ressaltar que recentemente, o Colendo Supremo Federal parece que apaziguou a questão sob a ótica jurisprudencial, conforme notícia a respeito:
 
"O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (16) que o prazo de dez anos para a revisão de benefícios previdenciários é aplicável aos benefícios concedidos antes da Medida Provisória (MP) 1.523-9/1997, que o instituiu. Por unanimidade, o Plenário deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 626489, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para reformar acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Estado de Sergipe que entendeu inaplicável o prazo decadencial para benefícios anteriores à vigência da MP. A decisão estabeleceu também que, no caso, o prazo de dez anos para pedidos de revisão passa a contar a partir da vigência da MP, e não da data da concessão do benefício... O relator do processo, ministro Luiz Roberto Barroso, destacou que o direito a benefício previdenciário deve ser considerado como uma das garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, pois "se assenta nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade e nos valores sociais do trabalho". Segundo ele, a competência para estabelecer as regras infraconstitucionais que regem este direito fundamental é do Congresso, e apenas se a legislação desrespeitar o núcleo essencial desse direito é que haverá invalidade da norma. "O fato de que, ao tempo da concessão, não havia limite temporal para futuro pedido de revisão não quer dizer que o segurado tenha direito adquirido a que tal prazo nunca venha a ser estabelecido." [1]
 
 
A questão que se apresenta é: existiu sintonia axiológica nesta interpretação constitucional?!
 
 
Com o tempo, nunca si viu, tantas alterações, inserções e retificações do artigo 103 do Plano de Benefícios do RGPS, com regras de transição, períodos de vigência de Medidas Provisórias, enfim, uma vasta interpretação que permeou por um bom tempo a discussão acerca da prescrição das revisões.
 
 
Importante notar a confusa dicção desse dispositivo em plena vigência, pois no seu caput há uma ótica, e no seu parágrafo único, um outro contexto, além da visível e prolixa redação, ou seja, em um só artigos a existência dos institutos da Prescrição e Decadência!!!
 
 
Porém, não pode o legalismo alicerçar friamente o intérprete previdenciário, que detém, outras diversas ferramentas jurídicas para bem compreender principiológicamente os institutos desse valorativo ramo do saber.
 
 
A bem da verdade, o STF quis uniformizar o entendimento, unificar o Direito, ou seja, equalizar o debate, contudo, não devemos atender essa problemática somente dentro dessa ótica.
 
 
É que a pretensão revisional possui a mesma carga jurídica valorativa do mesmo ideário do reconhecimento do direito, não podendo, nivelar por baixo e ao mesmo tempo esquecer que a essência do objeto da revisão se vê alocado no idêntico contexto constitucional de um Direito Social.
 
 
Longe de queremos aqui realizarmos uma ponderação exclusivamente protecionista, mas a Previdência Social, enquanto técnica protetiva não pode e deve encontrar limites de sua atuação e incidência. Seu campo de pouso, aliás, deve ser cada vez mais amplo, sem limites e aprimorado no tempo.
 
 
Esse, o alvo maior concretizado na Lei das Leis.
 
 
Taxar um marco temporal para o intento revisional, nada mais é do que limitar o alcance desta técnica de proteção a seus abrigados, aqueles destinatários dos institutos constitucionais.
 
 
E mais, inovou assustadoramente o Guardião Constitucional quando modulou preteritamente o alcance de sua decisão, vale dizer, aplicando o atual prazo decenal revisional a benefícios nascidos antes da reforma legislativa.
 
 
Será que deve haver a decadência ou prescrição de uma pretensão revisional?!
 
 
No contexto alimentar, que é semelhante a doutrina apregoada pelo Direito Civil, existe esta incidência?!
 
 
Na busca pelo aprimoramento de um benefício e a correção de um erro administrativo autárquico, para concretizar o bem-estar do jubilado, idealizar a dignidade humana, enfim, a existência de um marco prescricional não reprime a evolução da própria Previdência?!
 
 
E mais, a análise não deve ser in dubio pro segurado, já que a relação administrativa nascedoura da pretensão previdenciária só existe e se justifica para tutelar os direitos dos administrados perante a administração?!
 
 
Apenas algumas reflexões que merecem uma análise mais acurada.
 
 
Perigoso e também ousamos afirmar, temerário, a bem da necessidade de unificar uma discussão jurídica, partir para a restrição, exclusão e limitação de uma técnica constitucional protetiva como base central do raciocínio judicante.
 
 
Como se vê, a questão não envolve tão somente a existência ou não de direito adquirido, em que pese defendermos também a sua incidência nessa discussão, já que a relação administrativa previdenciária e vinculante foi travada sob a égide de legislação anterior, vale dizer, relacionamentos jurídicos consolidados em todos os sentidos, mas também, devem ser observados outros variados nortes que devem clarear o intérprete da norma.
 
 
Inexiste, pois, direito adquirido na pretensão revisional?!
 
 
E mais, sendo relação contínua e de trato sucessivo, vale dizer, habitualmente renovada, percebida pelos beneficiários, não teríamos também a interrupção desta pretensão prescricional?!
 
 
Não podemos ainda esquecer do entendimento sumular sufragado há anos, pelo Superior Tribunal de Justiça, interpretador-mor da legislação federal, que sedimentou a questão sem inserir qualquer marco temporal, isto é, sem alocar e generalizar o tema, sumulando que a prescrição revisional atinge apenas o fundo do direito, senão vejamos:
 
 
"Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação." [2]
 
 
De todo o modo, esse debate não se encerra ou deve ser encerrado com a surpreendente decisão do Excelso Tribunal, que deve agir consentaneamente com o sistema previdenciário hodierno, que por sua vez, apregoa e defende, antes de tudo, o bem-estar social de seus envolvidos.
 
 
Lado outro, como fonte que é basilar da ciência jurídica, a doutrina bem leciona a respeito, divergindo cientificamente do alcance restritivo operado pelo Tribunal Maior, senão vejamos:
 
 
"Entretanto, as prestações previdenciárias têm finalidade que lhes emprestam características de direitos indisponíveis, atendendo a uma necessidade de índole eminentemente alimentar. Daí que o direito à prestação não prescreve, mas tão somente as prestações não reclamadas dentro de certo tempo...".[3]
 
 
As decisões judiciais merecem sim, constante e efetivo respeito de seus pronunciamentos, contudo, cabe a nós, os destinatários da proteção constitucional buscarmos incisivamente o aprimoramento dos institutos jurídicos, não para estatizar no tempo, mas, antes de tudo, como um aceno ao esperado bem-estar social que a Sociedade contextualizou na Lei das Leis.
 
 
Assim, a esperança de que essa novel interpretação da revisão de benefícios do RGPS operada pelo Tribunal Maior seja revista pelos intérpretes da norma, já que para seus destinatários, inexiste prazo para a busca e aprimoramento de um Direito Social, ou seja, revisar é aprimorar o conquistado.
 
 
Theodoro Vicente Agostinho - Mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP. Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Membro Integrante da Comissão de Seguridade Social da OAB/SP. Professor e Coordenador de D. Previdenciário do Complexo Damásio de Jesus. Co-Autor dos Livros "DESAPOSENTAÇÃO - Aspectos Teóricos e Práticos" (LTr) e "DIREITO PREVIDENCIÁRIO  - Coleção Elementos do Direito n.19" (RT).
 
 
Sérgio Henrique Salvador - Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Professor de Direito Previdenciário do IBEP/SP. Professor de Direito Previdenciário e Processo Civil do Curso de Direito da FEPI - Centro Universitário de Itajubá. Co-Autor dos Livros "DESAPOSENTAÇÃO - Aspectos Teóricos e Práticos" (LTr) e "DIREITO PREVIDENCIÁRIO  - Coleção Elementos do Direito n.19" (RT).  Sócio do Escritório Advocacia Especializada Trabalhista & Previdenciária.
 
 
[1] http://www.ibdp.org.br/noticias2.asp?id=1094
[2] Súmula 85 do STJ.
[3] CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI. Manual de Direito Previdenciário. 03ª edição. Editora Ltr.: SP. pág. 549.
 
  Fonte: Da redação (Justiça em Foco), 10/03/2014.

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